quinta-feira, 30 de julho de 2009

Artificialismos nas relações de trabalho

Reginaldo de Oliveira  

Publicado no Jornal do Commercio em 30/07/2009 – A020

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Que estranhos fenômenos comportamentais se escondem nos subterrâneos da alma humana que faz com que tanta gente dedique sua vida ao estudo desse assunto, tentando decifrar mecanismos que leve à compreensão das ações e reações das pessoas. Apesar de tantos avanços científicos, várias circunstâncias teimam em surpreender os xamãs da psicologia. Parece que a natureza humana se recusa ser estudada e dissecada como um sapo de laboratório, impedindo que seus estudiosos sejam elevados a um estágio divino de consciência. Mesmo assim, muita gente se reveste do manto da presunção e toma para si a autoridade de avaliar pessoas através de métodos maniqueístas e reducionistas, como se a psique humana fosse polarizada entre bem e mal, verdadeiro ou falso; desconsiderando assim um matiz de infinitas possibilidades entre os extremos. A adoção de critérios objetivos de avaliação psicológica é comum em muitos ambientes organizacionais e nessa brincadeira muitas atrocidades são cometidas, muitas vidas destroçadas.

 Pessoas gostam de ser tratadas como pessoa e não como objeto; principalmente, objeto de estudo ou de programas, ou de políticas, ou de qualquer forma de artificialismo. Lamentavelmente, a boa convivência nos sujeita a uma gama de preceitos onde passamos boa parte do tempo fingindo. Tal comportamento é mais acentuado nas empresas onde a palavra de ordem é autopreservação. Todos tentam se proteger das ações dos colegas e ao mesmo tempo respeitar o espaço do outro - tudo, em observância a um padrão de conduta estabelecido pela empresa. Os seja, as pessoas se relacionam seguindo rigorosamente o manual interno e as recomendações mencionadas nos vários treinamentos promovidos pela empresa.

 Quando um funcionário cumprimenta seu colega de trabalho ou quando o chefe faz um belo elogio, o que vem à mente é a sensação de que o protocolo de comunicação prescrito em algum capítulo do manual interno de conduta está sendo obedecido. Ou seja, a formalidade foi cumprida e o ambiente está sob níveis aceitáveis de temperatura e pressão. O problema é que palavras politicamente corretas são contrariadas pelo olhar de desprezo e arrogância. O faxineiro sente na carne a corrosão da indiferença e o operário sabe que a função do seu supervisor é espremê-lo ao máximo. Tanto paradoxo nos faz pensar até que ponto a falta de naturalidade desumaniza a criatura humana.

 Em meio a tanta aridez e dissimulações, a sinceridade torna-se uma rara virtude. Aquele que consegue cumprir o manual e voltar todos os dias para casa com sua alma incólume se transforma em potencial líder e fonte de apoio e proteção. Os líderes formais têm suas ações potencializadas quando aplicam as determinações do manual respeitando verdadeiramente a dignidade das pessoas. Ninguém é tolo o suficiente para não perceber a malícia enfronhada nos sofismas das palavras e nos gestos ensaiados, visto que nossos sentidos nunca nos enganam. O que nos engana são nossos julgamentos, interesses e conveniências. Portanto, manual nenhum é capaz de suscitar no colaborador o entusiasmo necessário ao empreendimento de grandes esforços, aquela chama tão cobiçada pelos gerenciadores dos mais diversos tipos de organizações.

 Alguns podem dizer que dinheiro é o grande e talvez único motivador, mas isso não é verdade. As pessoas são capazes de imensos sacrifícios em prol de uma causa quando são arrebatadas pelo líder carismático, firme, competente e leal. E ainda se sentem extremamente gratificadas quando participam de uma notável construção onde sabem que a obra final terá a sua marca. As pessoas gostam de ser desafiadas e fazem de tudo para mostrar que são capazes quando alguém aposta nas suas potencialidades. Por tudo isso, tanto o bolso como a autoestima precisam ser alimentados. De formas criativas, as empresas precisam encontrar caminhos que possibilitem a liberação da grande energia produtiva dos seus colaboradores, sem esquecer que a dignidade humana é prioridade máxima.

 Como o formalismo é necessário à manutenção da ordem e não é possível fazer todos se amarem uns aos outros, é preciso ao menos investir em um rigoroso conjunto de princípios éticos, além de políticas de transparência das ações da empresa. Igualmente importante é a abertura de canais de comunicação a todos os colaboradores, além da disseminação da ideia de que todas as atividades devem ser valorizadas, independente da posição de cada empregado no organograma. Portanto, repensar o papel da liderança e conciliar valores humanos com a realidade mercadológica é uma árdua, porém necessária tarefa dos grandes líderes.



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