quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O ZELADOR DO BANHEIRO

Reginaldo de Oliveira
E-mail – reginaldo@reginaldo.cnt.br
Publicado no Jornal do Commercio em 08/10/2009 – Manaus/AM – Pág. A3
www.artigo30.rg3.net

Durante o processo de análise contábil de uma empresa industrial, o contador arrolou uma série de pendências documentais e em seguida solicitou esclarecimentos dos setores competentes. Para sua surpresa não houve retorno das solicitações; as pessoas que produziam determinadas informações ou operacionalizavam atividades administrativas ou produtivas simplesmente não se sentiam responsáveis por prestar nenhum tipo de esclarecimento ao departamento de contabilidade. Nas suas concepções, a contabilidade é que deveria se virar para fazer o seu trabalho. Tal comportamento seria aceitável até certo ponto se a estrutura organizacional interna fosse de uma eficiência primorosa. Um dos problemas é que constava nos extratos bancários um rol de operações de fechamento de câmbio relacionado a operações de importação, sendo que o departamento financeiro não sabia fazer conexão entre os débitos na conta corrente com os processos de entrada de insumos importados. O setor responsável pela recepção e controle de materiais tinha um grande volume de documentos de importação arquivado em pastas, mas ninguém sabia vincular as operações de recepção de materiais com as operações financeiras. Para complicar um pouco, os fechamentos de câmbio eram feitos por uma unidade comercial que ficava a 5000 km de distância, que simplesmente ia pagando, pagando...

O contador, claro, trabalhou feito louco para montar um imenso quebra-cabeça onde ficaram faltando muitos esclarecimentos. Mesmo com muita cobrança e insistência os documentos não apareceram e ninguém foi responsabilizado pelos desmandos. Os diretores achavam que o contador era o único responsável e que, portanto deveria dar um jeito na situação.

Continuando seu trabalho, o contador passou dias relacionando listas imensas de retenções de impostos com os respectivos recolhimentos. Ao final do trabalho entregou a lista de pendências ao departamento financeiro. O contador identificou também operações bancárias na casa de milhões de reais que ninguém sabia dizer do que se tratava – uma coisa simplesmente assustadora. O encarregado financeiro dizia que quem movimentava tais contas “era o pessoal de São Paulo”. Ao contactar o escritório de São Paulo, a resposta é que quem “cuidava” dessas operações era o setor financeiro da sede do grupo empresarial, sendo que essa tal pessoa era incomunicável. Mas aí, surgiu a possibilidade de
uma terceira pessoa, que tinha uma empresa parceira em Curitiba, que poderia ajudar nos esclarecimentos das operações.

O absurdo do absurdo é que se tratava de valores de grande monta. Não eram cifras na casa de mil, dois ou dez mil reais. Eram milhões!!! O contador ficou apavorado com essa configuração financeira de alta densidade nebulosa. Na realidade, uma negríssima nuvem encobria as operações financeiras dessa empresa. Mais isso não era o bastante. O contador verificou vários lançamentos que levaram a conclusão de que a empresa possuía mais contas bancárias além das conhecidas. Mexendo, mexendo, percebeu que faltavam extratos bancários de oito contas bancárias, o que redundou em mais lutas e cobranças até os extratos aparecerem. Quando apareceram, a coisa ficou mais enrolada devido ao aumento das dúvidas. Ou seja, quanto mais documento aparecia, mais feia ficava a coisa.

A empresa havia adquirido um sistema de gestão que era o supra-sumo dos sistemas ERP. A questão é que as características do sistema estavam anos luz distante da habilidade dos seus operadores. É como se fosse entregue um submarino nuclear para um motorista de táxi. As consequências, obviamente, foram desastrosas: era informação que entrava automaticamente, era informação que entrava manualmente (e errada); era estorno para todo lado, ajustes, controles paralelos em planilhas eletrônicas etc. Para completar a contabilidade era quebrada em três pedaços, como se fossem três empresas. O motivo dessa fragmentação era a falta de um módulo integrador.

Havia muitas outras escabrosidades, mas mesmo assim somente o contador era cobrado por resultados. Ele tinha que fazer o balanço devido a uma necessidade imperiosa da empresa. Após estafantes e longas jornadas de trabalho, o balanço ficou pronto, mas cheio de pendências. O diretor da empresa ainda teve o atrevimento de dizer que o balanço estava errado. Na cabeça do diretor, a contabilidade tinha a obrigação de adivinhar tudo que um batalhão de funcionários fazia, mas que não contava para ninguém; tinha que dar um jeito em tudo quanto era baderna que rolava solta no ambiente de trabalho.

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