terça-feira, 16 de dezembro de 2014

DESCOMPASSO DO SPED (pessoas X tecnologia)

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 16/12/2014 - A194

Não há dúvida de que a tecnologia é uma força que se torna cada vez mais presente nas nossas vidas, sendo que seu rápido desenvolvimento é visto pelo cientista britânico Stephen Hawking como uma ameaça à própria humanidade. Ou seja, a inteligência artificial poderia chegar num ponto em que daí pra frente ela iria progredir por si mesma. O ciberativista Julian Assange lançará em fevereiro próximo o livro Quando o Google Encontra o WikiLeaks, onde retrata o poderio do gigante das buscas na internet e sua estreita relação com a bisbilhoteira agência americana NSA, denunciada por Edward Snowden. Segundo Assange a vigilância em massa funciona da mesma forma que a religião. Isto é, uma entidade que tudo vê, é invisível, influencia sua vida e não pode ser enganada. Traduzindo tudo isso: o Google, com seus mecanismos facilitadores das nossas atividades diárias é tudo o que as religiões ambicionaram ser e não conseguiram devido a inúmeros filtros e interesses distintos presentes na sua periferia de atuação. Portanto, nem o Vaticano em nenhum momento da sua história conseguiu exercer um controle tão direto sobre a vida das pessoas.

Por esses dias, o diretor de uma empresa paraense ficou desapontado com o resultado de uma fiscalização da fazenda estadual que analisou seus arquivos SPED do ano de 2012 e não detectou erro algum, validando assim a auditoria sem nenhum tipo de penalidade. Esse diretor sabe que havia inconsistências nesse período porque foi justamente nessa época que a troca de sistema ERP resultou em muitos problemas na emissão de notas fiscais. Há muitos anos a empresa decidiu seguir rigorosamente as normas fiscais com investimentos pesados em tecnologia, processos e gestão do negócio, com vistas a garantir sustentabilidade das operações e drástica redução de riscos fiscais. A expectativa era que o poder de fogo do SPED viria a ser um diferencial determinante no fator competitividade entre seus concorrentes. Em outras palavras, seus competidores estariam predestinados a sucumbir no abismo da sonegação detectada pelo SPED. Até o momento, parece, não é isso que está acontecendo. Esse dito diretor soube que sonegadores contumazes e sem nenhuma estrutura de controle interno não foram penalizados nas fiscalizações da secretaria de fazenda estadual de que foram alvo recentemente. Tantos desapontamentos suscitaram a dúvida: O SPED é a reedição do Sintegra?

Sabemos todos nós que o Sintegra foi a grande piada sem graça que ninguém nunca levou a sério. Acredita-se que os arquivos Sintegra solicitados pela fiscalização não eram analisados adequadamente porque os auditores fiscais não tinham absolutamente nenhuma intimidade com a tecnologia. Mesmo assim, não há dúvida da importância desse sistema eletrônico de controle fiscal, uma vez que ele pavimentou o caminho que levou ao Projeto SPED. O temor do diretor paraense é que os efeitos práticos do SPED não aconteçam, invalidando assim todo o investimento que fez para cumprir a legislação tributária. Será que a decisão de cumprir a lei foi uma grande burrice, visto que seus concorrentes continuam ganhando muito dinheiro com velhas práticas de sonegação fiscal?

O grande tributarista e professor do IPOG, sr. Edgar Madruga, afirmou tempos atrás que as dificuldades de avanço do projeto SPED estão relacionadas ao fator humano e não a tecnologia. A tecnologia embarcada no Projeto SPED é de uma envergadura monumental. O problema é que seu domínio está restrito a um pequeno grupo de pessoas, quase todas pertencentes ao quadro da Receita Federal. Na realidade, é a RFB que está à frente desse empreendimento. Enquanto isso, os entes tributantes da esfera estadual se esforçam para acompanhar o ritmo ditado pelo órgão centralizador federal. Os funcionários das secretarias de fazenda estaduais ainda se debatem na dificuldade de digerir tantos avanços ocorridos em tão pouco tempo. As novas tecnologias de fiscalização simplesmente não conseguem entrar na cabeça endurecida de alguns fiscais carrancudos. Muitas vezes, a estrutura inteira do órgão fiscalizador não sabe administrar situações de alta complexidade, como por exemplo, validação da tributação de ICMS das milhões de operações processadas nos gigantescos sistemas das empresas de telefonia. Ou então, a análise aprofundada e precisa de alguns modelos de planejamento tributário engenhosamente construídos por profissionais altamente gabaritados. Ou ainda (o calcanhar de Aquiles), a transformação da massa de dados do repositório SPED em informações relevantes e direcionadas segundo um escopo definido pelo departamento de inteligência fiscal e investigativa (que não existe efetivamente).

Com tantos avanços tecnológicos presentes no mundo, as nossas secretarias de fazenda estaduais ainda patinam sobre dificuldades primárias de gerenciamento do seu corpo técnico desalinhado de uma diretiva ainda por construir. Essa diretriz deveria ser emanada justamente do núcleo de inteligência fiscal, organismo encarregado de garantir a aplicação da legislação fiscal através do uso inteligente dos recursos tecnológicos disponíveis, mas ainda pouco utilizados.




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